Crescer
"Quero crescer" disse a menina, e deitou a cabeça no forno.
Mas nada aconteceu, porque ela se esquecera do fermento em pó.
Descrição, s.f. acto ou efeito de descrever; exposição exacta e viva de um facto, lugar ou paisagem por meio de palavra ou escrita; narração; enumeração; relação. (Lat. descriptione)
"Quero crescer" disse a menina, e deitou a cabeça no forno.
Mas nada aconteceu, porque ela se esquecera do fermento em pó.
Escuto essa canção
Era uma vez o vampiro enojado
Usava seringa
Olhava p'ró lado.
Detestava campas
E os cemitérios
Gostava de ler
Livros de mistérios.
I got a machine
And I took over the world
In one weekend
I took over the world
With my machine
I did it because I was looking for a project
And it was either
Take over the world or learn French
So I took over the world
And next weekend
I can learn French
I got a machine
And I took over the world
But nothing changed
That wouldn't be fair
Violent Femmes - "New Times"
Vou em bicos de pés
Levezinha, levezinha
Não acordo o rato nem a andorinha.
Passo no teu riso
Levezinha, levezinha
Aceno-te ao longe, sorrio sozinha.
Sonhos de alcatifa
Pézinhos de lã
Adeus meu amor,
até amanhã.
Eu não sou bem gorda,
Não como empadão, rissóis
E detesto açorda.
Não sou bem obesa,
Salto para a balança
E ela escapa ilesa.
Também não sou forte,
Só maior que o rei
E toda a sua corte.
18hs. Depois das 8hs da praxe na repartição, Moreira Antunes sorri
"Hoje não reparto nem mais um tremoço"
E parte a caminho de casa na sua bicicleta tandem (era mais barata, o que é que querem?)
Pedala satisfeito, os seus planos para o serão cada vez mais perto.
Na sala, ajeita os naperons, compõe as almofadas, sorri matreiro à tijela dos Chocapic.
"Vou ver! É hoje!" - pensa empolgado de DVD na mão.
Faz-se o silêncio e o narrador começa:
"Era uma vez a senhora púdica e o agrião que não usava cuecas..."
Sabe, ontem reflecti muito. Passei mesmo o dia todo a reflectir, se descontarmos a hora de almoço em que me dirigi à tasca do Moreira Antunes para o meu habitual sumo de beterraba e salada de requeijão. Sabe que eu prezo muito estes assuntos de saúde e a bem dizer uma pessoa já não vai para nova.
Mas como dizia, e não me quero estar a dispersar com banalidades e lugares comuns, porque afinal tempo é dinheiro, sabe, ontem reflecti muito. Contei e organizei com minúcia a minha colecção de lantejoulas (porque todas as histórias precisam do seu brilhozito). Tenho 1857 no total, entre azuis, amarelas, vermelhas, verdes, prateadas, douradas, pretas e púrpuras que são as mais raras por razões óbvias.
O contacto directo com o brilho leva à reflexão, sabia?
Reflecti e introspectei à brava e depois de passar cerca de 17 minutos a olhar o meu reflexo no espelho, rodeado de 1857 lantejoulas, decidi tomar uma atitude: peguei na tesoura de amanhar peixe e cortei uma sobrancelha.
Sim, podia ter sido a orelha, mas é uma falta de educação imitar as idiossincrasias dos outros e como sabe eu sou uma pessoa forjada no rigor das escolas daquele país.
(ondulado que se vê sempre antes dos "flash-backs"...)
No ecranzinho do karaoke deslizam risos antigos, musicas riscadas, pactos fugidios...
Tudo devidamente legendado e cantado pelo artista residente.
No final, os aplausos tropicais combinam com as bebidas calorosas (ou seria o oposto?) e o artista residente acrescenta mais uma linha no ecranzinho do karaoke.
Saio de casa às nove
Mesmo se chove
Ou se faz vento
Neste sossego chego ao meu emprego.
Gosto daquilo que faço
Do tempo que passo com os animais
Que neste jardim ,
Para mim são todos iguais.
Onde é que estão
As chaves do portão
Ai! Esta maldita constipação
Porta aberta à reinação!!!!
Bom dia! Desculpem este atraso mas já
Estou velhote, não sei se sabem
Que eu já abri este portão aos
Vossos pais e também lhes fui
Mostrar os animais!!!
"Jardim Jaleco" - Carlos Mendes
É hoje a maior festa de todos os tempos...
Uma festa de verdade.
Os músicos estão a postos; brilhantina nos cabelos, brilhantina nos sorrisos.
Guitarras de papel pardo e fio do norte embrulham a multidão na alegria dos albuns de fotos.
Começam os brindes, as danças, os lustres.
Chega quem era esperado que chegasse.
É hoje a maior festa de todos os tempos...
A festa da verdade.
Sim, eu posso não passar de um mísero dois de paus, mas sabes o que isso significa, não sabes?
Todos os teus “joguinhos de copas” começam obrigatoriamente em mim…
Estão aqui 40º à sombra
(à sombra do quê?)
E o negócio não vai bem.
Os abutres aguardam pacientemente trauteando Petula Clark…
Quem diria que uma banca de Frize Limão no meio do deserto pudesse ir à falência tão depressa?
“Tens o toque de Midas, minha filha” – já me dizia a minha santa mãezinha.
Curioso é que o paquistanês que vendia matrioskas luminosas na banca ao lado da minha, fez fortuna e mudou-se recentemente para Manhattan. Aparentemente, uma matrioska luminosa é um artigo indispensável para quem pretende atravessar o deserto…
Não sabia…
Eu realmente nunca soube distinguir entre o necessário e o supérfluo…
Os abutres cantam agora Edith Piaf
“Oooooooo, rrrrrien de rien…”
Está a pôr-se fresco… Um ventinho desagradável…
Acho que vou ligar à minha mãe, avisando-a de que Midas vai lá jantar hoje…
Trazia os olhos a condizer com a gravata,
e as lágrimas com as palavras dos outros.
Ao vaguear pelas ruas, admirava sorrisos condescendentes de anúncios felizes como caixas de bombons.
Os sapatos condiziam com o caminho errado,
e o casaco com as palmadinhas nas costas...
“Deixa lá isso, pá... Não há como um dia depois do outro.”
Os dias condiziam com as semanas,
e as semanas com aquele dia e só com esse.
“Se a coragem condissesse comigo, eu faria era conjunto com o nunca mais...”
- Como pode ver, pelos resultados dos seus testes, a sua vocação divide-se entre anão de jardim e funcionário das finanças, mas claro que pode sempre pedir uma segunda opinião...
- Vou ao BIC?
- Não, a outro psicólogo, mesmo...
- Hum...
Algumas luas depois... (umas cheias, outras nem por isso).
- Então e o que vê neste borrão?
- Isso é nitidamente uma reprodução tosca da tela "The abduction" de Paul Cézanne em que o artista retrata como ninguém a paixão que nos atormenta a todos neste Universo de mistérios mal resolvidos, em que a superficialidade e a ausência de valores...
- Pois, e aqui?
- Uma casinha de chocolate... Concluiu alguma coisa, dr?
- Eu não, Deus nos livre! E você? Não me diga que...
- Não, não, longe disso.
- Ora ainda bem, está no bom caminho, meu amigo, no bom caminho, é o que lhe digo...
- Bom caminho para onde?
- Olhe, neste momento para sua casa, que a horita chegou ao fim. Vão ser 50€...
- Valeu bem a pena, quando nos aproximamos tanto do sentido da vida, tocando o fundo do existencialismo mais premente ao analisar...
- IREENNEEEE, o próximo!
Saí debaixo da pedra escura;
Saí ondulante, cega pela tua música de luz.
Tão cega que quase nem reparei na indiferença que finalmente me varreu para debaixo do teu tapete voador...
Meu nome é Maria
E da Conceição
Tenho 2 artroses
Aqui nesta mão.
Fiz 7 operações
Entre fígado e baço
E nada melhor
Que um belo bagaço.
Uso os autocarros
Para os meus comícios
Apanhei porrada
E 3 panarícios.
Minha vida foi cheia
Tive 7 filhos.
E gosto de homens
Com bons andarilhos.
O meu mais novito
Estuda p’ra doutor
Fuma ervas estranhas
Graças ao Senhor.
E termina aqui
O meu triste fado
Deixe-me lá sentar
Tenho tudo apanhado.
“E agora caras amigas telespectadoras, 2 cebolas médias picadinhas para animar o refogado...”
E foi aí que a festa rebentou mesmo, em valsas perfumadas de tomate e alho.
Só a galinha da vizinha, soltando grossas lágrimas,
“Não estou a chorar, entrou-me uma coisa para a vista”
coroou-se com o louro dos vencedores e enfiando a cabeça que já não tinha no forno, soluça:
“”Morre a vaquinha Vitória, acaba-se aqui a história...”
"Jesus loves me
But not my wife
Not my nigger friends
Or their nigger lives
But Jesus loves me
That's for sure
'Cause the bible tells me so
Read your bible good and well
Don't forget about that apple spell
Don't fall in the wishing well
Wishing for heaven and gettin' hell
Wash behind your ears don't smell
Cover them freckles don't ask don't tell
Kiss your papa but not too long
Hold his hands
Don't do no wrong
Jesus loves me
But not my wife
Not my nigger friends
Or their nigger lives
But Jesus loves me
That's for sure
'Cause the bible tells me so
Hush don't cry
Dry them tears
Time'll wash away all them years
Scare or a bruise
Pick and choose
When you're all grown up
You'll have the blues
Life'll give you that wedding ring
Fancy cars and diamond things
You best believe in Jesus' way
And never fall asleep forgetting to pray
Jesus loves me
But not my wife
Not my nigger friends
Or their nigger lives
But Jesus loves me
That's for sure
'Cause the bible tells me so"
"La Maison de mon rêve" - Coco Rosie
Ajoelhei-me à sua frente.
Tinha o bouquet, tinha os bombons.
“Will you marry me?” (porque estas coisas soam sempre melhor em estrangeiro...)
Teci-lhe poemas, bordei-lhe elogios
“Your eyes and the stars
Your voice and guitars...”
No fim o brilhante (cereja no bolo)
“Please be mine”
Ela titubeante, ela emocionada:
“Sim serei tua. Serei tua para sempre. Nunca quis morrer solteira.”
E a Culpa agora é minha noiva...
Forever and always...
Da próxima vez que te perguntarem
“quais são os teus hobbies?”
Não vás apenas ao cinema, saias com amigos, colecciones burriés. Diz a verdade:
“Para além de tudo isto, também sou juiz em part-time. Tenho sempre prontos os meus cartões de uns e zeros, os acho bem e os acho mal, os concordo e não concordo. A minha avalanche binária de veredictos avança imparável e destrói sem piedade aqueles que não se levantam antes do árbitro terminar a contagem.”
10!
Dali, daquele armário de mogno maciço, os esqueletos que o habitam resolveram dar uma festa.
De vestidos de casamento, saias rodadas, pantufas de coelhinhos e fragmentos de felicidade antiga, vieram até ao salão rodopiar valsas transparentes.
O baile durou o tempo que só os ponteiros sabem, até ser interrompido pela névoa soporífera de 2 comprimidos e um chá de camomila.
As portas do armário de mogno maciço voltaram a fechar-se.
Até uma próxima oportunidade...
Há muito muito tempo, ou talvez não tanto quanto isso, havia uma senhora muito chique, toda pérolas, caviar e cremes (não necessariamente por esta ordem).
Nos cocktails e nas vernissages, a senhora pérolas, caviar e cremes esvaziava meticulosamente a garrafa do champanhe, e de “Möet et Chandon” no ouvido, corria para a parede oeste do seu “appartement”, para escutar a sua vizinha, toda risos, suspiros e sandálias de praia(também não necessariamente por esta ordem).
Um dia a senhora risos, suspiros e sandálias de praia mudou-se dali, deixando a senhora pérolas, caviar e cremes perante um dilema.
Nas reuniões dos AA, a senhora p.c.c. conheceu o senhor desemprego, futebol e violência doméstica (não necessariamente por esta ordem).
A partir desse momento, muitas horas foram gastas a discutir o vazio, o cinzento e a distância das estrelas.
Passei ontem duas horas a coçar-me, até que me bateu:
"Mas eu não tenho comichão!"
Já no banco, o gerente assegurou-me:
"Minha cara senhora, não se preocupe. Isso só quer dizer que tem crédito na nossa instituição para enfrentar pruridos futuros. E todos nós sabemos como é importante estarmos preparados para um "rainy day".
Se eu sigo o meu caminho?
Sim, continuo por este lado e por aqui e por ali.
Dobro esquinas de papel de lustro, num complicado labirinto origami.
Evito cuidadosamente minotauros escondidos e cortes de papel sangrentos.
Por onde é a saída?
Não sei, mas aguardo ansiosamente o final feliz em forma de pássaro ou flor.
"I was five and he was six
We rode on horses made of sticks
He wore black and I wore white
He would always win the fight
Bang bang, he shot me down
Bang bang, I hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, my baby shot me down.
Seasons came and changed the time
When I grew up, I called him mine
He would always laugh and say
"Remember when we used to play?"
Bang bang, I shot you down
Bang bang, you hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, I used to shoot you down.
Music played, and people sang
Just for me, the church bells rang.
Now he's gone, I don't know why
And till this day, sometimes I cry
He didn't even say goodbye
He didn't take the time to lie.
Bang bang, he shot me down
Bang bang, I hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, my baby shot me down..."
Nancy Sinatra - Kill Bill OST
"Espelho meu, existe alguém mais longe do que eu?"
"E vice-versa" respondia o espelho. (Resposta típica de espelho).
Então a Branca de Neve existencialista pegava nos seus óculos cor-de-rosa e ia discutir batons e poodles com as princesas dos naipes vizinhos.
Passei a tarde a agrafar pétalas em malmequeres.
Quando acabaram os agrafos usei fita-cola.
Depois soltei borboletas de coleccionador por todo o meu campo florido.
E só no fim de tudo começaram a filmar.
Olhei para o céu e não estava estrelado. Nem cozido. Nem escalfado.
As nuvens não eram ursinhos, coelhinhos, Santas Teresinhas do Menino Jesus.
Neste azul de brilhos negros, apenas um contorno a giz ligava a constelação criminosa que disparou sobre mim o teu pó de estrelas...
"Andei a fazer zapping
Pelos canais de Veneza"
E agora, como terminar algo que começa assim?
É fácil:
"A gôndola tinha um furo
Encravámos na TVI,
Começámos a meter água
Afoguei-me e morri."
Eu juro que os vi
Não foi sonho não
Um fantasma branco
E o bicho-papão.
Jogavam xadrez,
Comiam melão.
Um fez xeque-mate.
Comiam à mão.
Avistam-me os dois,
Com a vela na mão:
"Vem juntar-te a nós,
Dançar o malhão!"
Dancei e cantei,
Comi do melão.
O sono voltava
E tãobalalão.
Despedi-me deles
"Txau bicho-papão"
E o fantasma acena,
Lençol de algodão.
Ouvi-os partir
Cantando o refrão.
Voltaram para o escuro,
Dormir num caixão.
Recusada a minha tentativa de me alistar na Legião Estrangeira
“se aceitássemos nacionais não seríamos a Legião Estrangeira, certo?”
vi-me obrigada a mudar de nacionalidade.
Aparentemente agora sou uma cidadã asiática de meia-idade (não consigo precisar ao certo o país – o meu novo B.I. falso tem uma nódoa de gordura nessa zona).
A minha profissão é “giradora oficial de pratos – 1º escalão” e por alguma razão ainda achei que isso seria um eufemismo para D.J., mas depressa me apercebi do meu equívoco quando me deram para a mão um serviço Vista Alegre e um conjunto de caninhas. Juntamente um envelope verde: “Missão”.
“Entretenha com o seu inebriante número circense os refugiados da ala norte, do campo 12, da zona sul de Qualquerladistão. Até agora a sua única distracção era sexo selvagem e piadas de gosto duvidoso e aquele é supostamente um campo familiar.
Esta mensagem não se vai auto-destruir em poucos segundos, uma vez que não temos verba para essas mariquices, por isso faça o favor de a deitar no ecoponto mais próximo.
Atenciosamente,
Legião Estrangeira”
Agora sim! Acabo de comprar a minha auréola nos chineses e tenho o traje completo.
- "Dois eulos sinhôla"
- "Dois eulos? Bolas, que a santidade anda mesmo pela hola da molte!"
(Lição de santo - Nº1: Se não quer que as suas figurinhas de plástico sejam reconhecidas pelos fiéis através do olho roxo, não parta do princípio que todos os orientais têm uma filosofia de vida zen e que ficariam lisonjeados com as suas simpáticas tentativas de falar o dialecto).
Do meu traje devo dizer que o meu grande orgulho é a corda à cintura. Além de dar aquele ar "vintage", muito "old school", há que salientar que se trata de uma genuína corda de barco. Curioso como os pescadores de bacalhau noruegueses sabem tantas ofensas em português... Maravilhas da globalização!
São 18hs, quase na hora da minha aula de "Miracle pumping" no Holy Place. É uma modalidade muito completa em que se conjuga a aprendizagem de milagres com a tonificação dos glúteos.
Andamos desde a semana passada a treinar o clássico "água em vinho", e devo dizer que é bem mais difícil do que parece. Na última aula consegui um Capri-Sonne de maçã e todos me felicitaram pelo meu dom (e pelos meus glúteos de aço também).
O instrutor informou-nos hoje de que, quem apresentar provas de uma cura (a melhor sendo obviamente um vídeo "antes / depois"), passa automaticamente ao nível seguinte. Lembrei-me logo de quando curei a cefaleia da minha avó, mas o instrutor diz que oferecer carteirinha de Aspegic ao enfermo não conta...
Enfim, deixe-me lá ir, que amanhã tenho de acordar cedo. Vou à loja do cidadão entregar os impressos para a "canonização - modelo A" e as filas são enormes.
Daqui consigo ver planetas em corridas elípticas contra o tempo.
Vejo ainda os brilhozinhos de estrelas aleatórias e lá mesmo ao fundo, o rasto viscoso de amores antigos, deixado pelos cometas que passam.
Com o meu caleidoscópio de longo alcance, tento captar todo o mosaico incompreensível do teu mundo.
Devido aos sobejamente conhecidos problemas do batráquio, esta será a nova morada do meu bloguito.
Para textos anteriores ver http://tragameossais.blogs.sapo.pt